A Camisa Vermelha da Seleção e a Morte do Tucano

 



Ninguém anunciou nada oficialmente — e talvez nem anunciem —, mas bastou surgir a suspeita de que a camisa da seleção brasileira em 2026 possa ser vermelha, para que a turma do sapatênis surtasse com a possibilidade de cantar o hino durante a copa do mundo com a mãozinha no peito de uma camisa vermelha.

E o argumento? Bem, aquele de sempre: “Nossa bandeira jamais será vermelha!” — como se existisse alguma constituição futebolística que proibisse a ousadia cromática nos uniformes. Não existe. Nunca existiu. E nunca foi relevante.

Aliás, vamos aos fatos. A Itália — sim, aquela tetracampeã — joga de azul. A Holanda? Toda laranja, porque a realeza manda no guarda-roupa. O Japão veste azul sem nenhum tom parecido na sua bandeira. A Alemanha já enfiou 7 a 1 na gente usando vermelho e preto. Quase um terço das seleções filiadas à FIFA nem usa as cores da própria bandeira. Ou seja, essa birra com o vermelho é menos sobre futebol e mais sobre aquela velha paranoia de comunismo imaginário escondido em caixa de lápis de cor.

Agora, se quisermos mesmo entrar na briga das tradições, sinto informar: o vermelho tem tudo a ver com o Brasil. E não é por causa de Marx, Lenin ou qualquer membro da Ursal — é por causa do pau-brasil. Sim, aquele do nome do país. Aquela madeira que, quando cortada, sangrava um vermelho intenso como brasa. A primeira riqueza explorada por aqui, e a primeira marca na pele do que viria a ser nossa história colonial. Inclusive, "brasileiro" era o nome do sujeito que extraía o pau-brasil. Tão significativo que virou nosso gentílico — e nem adianta espernear, porque o certo seria “brasilienses”.

Se isso ainda parece pouco vermelho pra você, tem mais. Uma lenda celta narra que um monge irlandês do século VI, São Brandão, saiu navegando por aí em busca de uma terra prometida, uma ilha paradisíaca chamada...Ilha Brasil. Cheia de sol, promessas e lendas. Quando os portugueses chegaram aqui em 1500, essa história já circulava pela Europa. Ou seja: o vermelho místico, lendário e ancestral já nos vestia muito antes de qualquer ideologia.

Agora, é claro, não se trata de defender a camisa vermelha como se fosse a salvação da seleção — aliás, com a CBF, difícil salvar qualquer coisa. Mas é risível ver que a histeria coletiva ignora tanto a história quanto a estética. A nossa famosa “amarelinha”, por exemplo, com azul e branco, é uma herança visual da bandeira da família real portuguesa, não da nossa república democrática. Ironia pouca é bobagem.

No fim das contas, essa gritaria contra o vermelho é puro pânico ideológico. O problema não é a cor em si — é o que ela representa na cabeça de quem tem pesadelos com o MST invadindo o camarote da Brahma. O vermelho incomoda porque está ligado às transformações sociais, aos levantes populares, à ousadia de quem quer mudar o jogo. E, pra quem vive de manter as coisas como estão — mesmo que esteja tudo uma porcaria —, isso é assustador.

Falando em susto, o PSDB está oficialmente preparando o próprio velório. Sim, os tucanos, aquele partido que nasceu social-democrata no papel e neoliberal na prática, vão se fundir com o Podemos. Um fim sem glória, sem gritos de “olé” e, claro, sem necessidade de figurino vermelho. Um justo desfecho para quem abriu as portas do conservadorismo higienizado, que trocou FHC por Doria, e Doria... bem, por coisa nenhuma.

O PSDB foi pioneiro — mas não no que gostaria. Foi o primeiro a flertar com o golpismo pós-democrático, o primeiro a dar palco para o ressentimento nacional, o primeiro a apertar a mão da extrema-direita achando que podia controlá-la. Deu no que deu. Agora, saem de cena sem aplauso, com o tucano empalhado e sem espaço nem pra ser meme.

Em 2026, se a camisa da seleção for vermelha, que seja. Ela vai carregar, como sempre, as nossas contradições: de um país forjado na exploração, apaixonado por futebol, avesso à memória, e viciado em tretas estéticas como se fossem batalhas épicas. Se a gente jogar bem, ninguém vai lembrar da cor.

E se jogar mal, a culpa não será do pano — será da velha mania de confundir tradição com ranço.


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SOBRE O AUTOR


_Luiz Gustavo Saboya de Castro Mota é advogado, professor de Direito, Julgador do TED-MG, Mestre em Filosofia e Ética pela UFVJM. @eugustavodecastro_



Luiz Gustavo Saboya de Castro Mota é advogado, professor de Direito, Julgador do TED-MG, Mestre em Filosofia e Ética pela UFVJM. 







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1 Comentários

  1. Omar - Ler um texto com muito conhecimento embutido, com um tom entre o humor e o escárnio ao fascismo, leve, inteligente, faz com que tenhamos mais fé na cultura do que na estrutura.
    Afinal, a "estrutura", grotesca, que mantém os que exigem que mantenhamos uma tradição que não construímos, mas, construíram, os colonizadores, para nós, é falsamente, firme.
    O que nos importa, mais do que a cor e o tipo de tecido utilizado na camisa de nossa Seleção, preferencialmente, sem Neymar, é a qualidade do futebol que ela apresentará.
    Estamos, todos, ansiosos por isso. Pelo renascer de nossa Seleção e pela morte do fascismo. Assim como a do partido tucano. Partido que, não por acaso, criou as condições para o nascer do fascismo bolsonarista e se vestia de azul e amarelo. Será uma predição?
    Será que, isso não é um sinal de que, devemos, sim, mesmo sem a oficialização da CBF/NIKE, fazer nossas camisas vermelhas, até para nos diferenciarmos e não sermos confundidos com os fascistinhas?
    Um caso a pensar.
    Ótimo texto, Dr. Luiz Gustavo Saboya de Castro Mota.

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